Cinema Autêntico: A Simple Life (crítica e download)

A Simple Life
Diretora: Ann Hui

No dicionário a palavra altruísmo possuiu o seguinte significado: “ação de amar ao próximo sem esperar nada em troca; dedicação demonstrada de maneira desinteressada; filantropia ou abnegação”. Algo que vem da natureza humana espontaneamente, entretanto cada vez mais extinta na sociedade capitalista de hoje. É fato que essa palavra só ganha prática quando é conjugada com amor. Essa com toda certeza é a palavra que define o seguinte filme.

A Simple Life não poderia ter um titulo mais original e mais condizente a sua história. Um filme que trata a vida de sua forma realista e com simplicidade, com todas as implicações que viver exige ao ser humano. E a principal dessas implicações é a eventualidade de um compromisso que não se pode fugir, o da morte.

Baseado na história real do produtor cinematográfico Roger Lee, o filme narra seu relacionamento com Ah Tao, uma mulher que trabalhou por mais de 60 anos para a família dele. Depois de sofrer um AVC ela prefere se aposentar e ir morar em uma casa de repouso. É interessante pensar que só sabemos que a velha senhora era uma empregada por que isso é descrito no inicio do filme, não pelo comportamento das pessoas. Roger a trata como sua família, com um amor que depositaria a sua mãe ou avó. E eis a beleza do longa.

Trabalhando em quatro gerações da família, Ah Tao os identifica como sua própria família, e por se dedicar tanto a eles não é por sua obrigação de serva, mas sim por sua natureza altruísta vinda do amor que passou a ter por essas pessoas. Ao cuidar de Roger, cada detalhe da limpeza e organização da casa é impecável, além de preparar com espero sua alimentação. Em todos os momentos só percebemos carinho e uma grande vontade de ajudar quando já ajudou tanto.

E Roger que mesmo sendo tão atarefado com seu trabalho e sua vida que poderia ser mais luxuosa e badalada, prefere estar e comportar-se de maneira simples. Prefere visitar Ah Tao quando esta decide ir morar em uma casa de repouso, sempre pensando em não prejudica-lo. Lá nos deparamos com a realidade que a sociedade de todos os países está tendo que enfrentar, o crescimento da expectativa de vida. Isso não seria um problema se a qualidade da vida estivesse em questão. O que vale viver muito se não tem saúde? Ou viver muito com saúde, mas com sofrimento emocional, espiritual e social? A diretora Ann Hui brilha ao expor esse problema que é tão mais forte vindo de uma cultura que tem como tradição os filhos cuidarem dos pais na velhice, mas que com a ocidentalização e o egoísmo está cada vez mais difícil de ser seguida.

Em A Simple Life a personagem principal passou em sua vida com todas as implicações que viver exige ter, a de envelhecer, adoecer e chegar ao seu final como algo não doloroso, mas recompensador para que não exista um sofrimento necessário. Como em um momento é dito no filme, Ah Tao estava colhendo tudo o que plantou: carinho e amor, vindos por um sentimento de gratidão que não é fruto da obrigação.

O filme que trás Andy Lau como Roger e Deanie Ip como Ah Tao não possui trilha sonora representativa, pois seu objetivo é mostrar a realidade. Entretanto, a fotografia foge a essa regra, querendo de alguma forma “aquecer” as cores “frias” que a casa de repouso possui. Tudo é muito sincero, e essa “maquiagem” não atrapalha em contar a história dessas pessoas. Suas quase duas horas de filme são narradas de forma lenta como a vida de um asilo é. As cenas de Ah Tao são prolongadas cuidadosamente, as de Roger são feitas em cortes de cena e edições para acelerar o dinamismo. Uma troca da hipocrisia da vida, visto que os jovens tem mais tempo que os idosos, então não deveriam ter tanta pressa.

Sendo sua historia passada em Hong Kong e falado em cantonês, arrecadou muitos prêmios em festivais pelo mundo. Competiu pelo Leão de Ouro de Veneza em 2011, e ganhou seis prêmios no festival, incluindo Melhor Atriz para Deanie Ip. Ao que parece a diretora Ann Hui iria se aposentar após a conclusão desse filme, mas o sucesso em seu país foi tão grande que preferiu continuar sua carreira com mais alguns filmes.

Recomendo este filme, que como poucos que já vi conseguem transmitir a serenidade de uma vida pautada em amor que não quer ser recompensado, mas a felicidade de saber que isso não passa ileso nas pessoas que amamos.