Diretor: Zhang Yimou
"Somente as pessoas que passaram por esse tempo miserável vai recordar a passagem de sua memória profunda". - Zhang Yimou
Há alguns anos Zhang Yimou está mais concentrado e modesto em seus filmes. Digo isso sem nunca pensar que o diretor esteja deixando seu senso questionador de lado, mas apenas focando em um estilo mais tenso, o melodrama. Em nenhum momento Zhang deixa de questionar o que a Revolução Comunista trouxe para o país, e como afetou a vida do povo chinês. Assim como nos seus outros filmes, a culpa das desventuras nas pessoas protagonistas do drama é sempre do Partido. E para isso ele vem utilizando de adaptações literárias para criar seus filmes. Uma nova fase, mas a qualidade de sempre.
Lançado no Festival de Cannes de 2014, mas não estando na mostra competitiva, Yimou lança mais um filme com adaptação livre da obra de Yann Geiling. Escritora muito famosa por seus livros na China, e também por seus trabalhos em roteiros. Trabalhou inclusive no roteiro de Ligação Perigosas (2012), que já comentei no blog. Esta não é a primeira vez que Yimou adapta um livro dela, houve Flores do Oriente (2011), baseado no livro Treze Flores de Nanjing.
Gui Lai (Coming Home em inglês, e sem título em português por hora) não pode ser totalmente considerado uma adaptação, pois a sinopse do livro aqui não se aplica. Zhang Yimou utiliza as ideias centrais, mas tudo esta aperfeiçoado para o seu modo de filmar. O filme trata do retorno de um homem que havia sido preso em plena Revolução Cultural, e quando retorna para casa depois de vinte anos encontra dificuldades com sua esposa e filha. E o filme em si só gira em torno desses três personagens, que conseguem com maestria serem totalmente suficientes.
Zhang Yimou trabalha com a ideia de amnésia para dialogar toda a questão problemática e sensível que é a saudade e a perda de uma pessoa que se ama. E pior ainda é essa perda quando se é por motivos políticos, onde a justiça não pode estar do seu lado e só a incerteza que controla seus sentimentos. Tudo isso é trabalhado no filme quando percebemos Yu (Gong Li) não podendo estar com o marido Lu (Chen Daoming) e o sofrimento que causou a filha Dandan (Huiwen Zhang). Mas nada aqui é muito explícito, pois a crítica de Yimou e Yann esta nas entrelinhas, nos diálogos autoritários dos “camaradas” do partido e também no motivo que não é falado em nenhum momento da causa da prisão de Lu. Esse talvez seja a questão do filme, pensar qual seria o grande crime que esse homem instruído (professor universitário que fala outras línguas, toca piano), cometeu para ficar tanto tempo preso. E como essa prisão destruiu sua família e sua própria vida no momento em que ele retornou a liberdade.
O roteiro em si é bastante comovente, e sim explora um pouco do drama, por isso entra na categoria de melodrama. Mas aqui tudo está na medida certa, pois conta com um trio perfeito de protagonistas. Como de costume, Yimou busca suas atrizes e as lança no mundo do cinema, como foi o caso de Huiwen Zhang, que encarna a filha revoltada e oprimida do casal. Chen Daoming tão diferente das últimas vezes que o vi, está perfeito no personagem tão belo Lu. Seu sofrimento é tão emocionante em seu olhar angustiado, e sempre tentando sem desistir de nada, já que o povo chinês é tão persistente em sua vida.
E mais uma coisa completa o filme: Gong Li. Sete anos depois de A Maldição da Flor Dourada, onde interpretava a Imperatriz Fênix, ela retorna aos filmes de Zhang Yimou com maestria! Não havia para mim alguma forma de conter as lágrimas em suas cenas sempre comoventes, principalmente quando Chen Daoming carrega o marido desaparecido para esses momentos. Aqui ela está envelhecida (belíssima do mesmo jeito), doente e pobre. Uma mãe e uma esposa como tantas outras da China, fortes e guerreiras que lutam para criar seus filhos e manter a família, em meio a um país com sua história recente tão problemática.
Gong Li se esforçou muito para o personagem, chegando a dizer “se conseguir interpretar bem este papel, poderei ser considerada uma boa atriz”. Acho isso realmente engraçado, pois depois de tantos filmes, tantos prêmios e tal reconhecimento, a propria atriz e algumas pessoas têm duvida quanto ao talento dela. Em Cannes, Zhang Yimou se entristeceu por não ter conseguido entrar na competição, não pelo filme, mas pela interpretação de Gong Li e Chen Daoming, dizendo que “Gong Li aceitou o papel para mostrar para quem ainda dizia que ela não era uma atriz”.
Coming Home foi lançado na China em IMAX em 16 de maio, e surpreendentemente já é recorde de bilheteria no país. Um filme com uma fotografia acinzentada, como se a sujeira de Lu do seu campo de trabalho forçado ficasse impregnada eternamente na vida da família. O filme é claramente dividido entre a escuridão da época dura da Revolução Cultural, e o começo da luz depois de seu fim. Não há espaço para muitos cenários e lugares diferentes, pois todo o conflito está no lar, na casa e na estação de trem. A tristeza da história está sendo absorvida pela melancólica e doce trilha sonora de Qigang Chen, ao som do solo do famoso pianista Lang Lang. Além disso, Yimou não se desapega de sua paixão pela ópera, e podemos vislumbrar um pouco de Red Detachment of Women. E claro como sempre, Zhang Yimou sabe como ninguém fazer uma ambientação de época perfeita, e nesse filme em questão, uma excelente maquiagem.
Assim como todos os outros filmes de sua carreira, não existem finais felizes. Ele permite a esperança de um futuro, mas somos nós os encarregados de imaginar o restante das historias, ele nos permite tal privilégio. Mas como nesse e muitos outros dos seus, é tão difícil ver a esperança em meio a tanto sofrimento.

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