No Festival de Cannes
deste ano, Hou Hsiao-Hsien
ganhou o Prêmio de Melhor Direção pelo seu trabalho em The Assassin (Nie Yinniang, Taiwan/China/Hong
Kong, 2015). Primoroso trabalho, para ser mais exata. Após dar uma lida em duas
críticas de um pessoal de Portugal sobre o filme, choquei e pensativa vi como o cinema é subjetivo no que tange a sensibilidade de cada espectador.
Enfim, ler coisas do tipo “extrema indiferença emocional” sobre The Assassin
mostra como cada olhar é pessoal.
É obvio que em questões da técnica existem teorias que podemos enquadrar
no quesito “bem feito” ou “mal feito”, pois são de uma concepção geral surgidas por
base de estudos e que devem ser respeitadas. Mas isso não alcança a capacidade
emocional que cada pessoa que assiste a um filme terá. Isso sim é subjetivo e
relativo. Mas vamos voltar ao filme.
Hou Hsiao-Hsien é chinês e tem uma carreira de peso em termos de
qualidade. Existe uma elegância e uma classe em suas narrativas que são únicas.
De forma sempre harmoniosa ele consegue capturar emoção sincera e realista no
silêncio. Acredito que isso seja a sua principal característica, a forma tão
bela de dar valor aos gestos corporais em detrimento da voz. Sempre em seus
filmes há uma proximidade com o estilo de Yasujiro Ozu, mas em The Assassin
existem um toque muito delicado de Kurosawa. Embora ambos diretores sejam
japoneses, este filme em questão é uma desconstrução do wuxia.
O respeito pelo silêncio humano aqui é preservado, mas é quebrado pelo
pertinente som da natureza, que Hou Hsiao-Hsien torna
essencial para acompanharmos a narrativa. A história se passa no século IX, e
temos a personagem título Nie Yinniang (Qi Shu). Foi tirada de sua família aos
dez anos por uma freira taoísta que a introduziu perfeitamente nas artes
marciais. Por uma punição ela é enviada novamente ao seio da família, e com a
missão de matar seu primo e antigo pretendente Tian Ji'an (Chen Chang). E assim
começa o drama desta mulher, em retornar para um lugar estranho, com uma
missão que ela não está preparada para encarar - não em termos de força física,
mas de força emocional.
Com um prólogo em preto e branco, Hou Hsiao-Hsien nos inicia na
vida dela de maneira seca, uma reflexão ao interior já conturbado e
ansioso que ela se encontra. Sua vida ganha cores quando retorna para sua
terra, mas as cores não refletem o sentimento da personagem. Isso é visível na
expressão corporal retraída e tímida, no olhar tão pesado e doloroso que Qi Shu
conseguiu colocar na protagonista Yinniang. Esse aspecto é notável em uma das cenas: o enquadramento fixo,
que só muda em um único momento para revelar o choro abafado e contido há tempos
da personagem, é uma das emocionantes que eu já vi. A impotência da mulher
diante do seu destino e missão é doloroso de acompanhar, e impossível não se
sensibilizar por ela.
Impossível porque Hou Hsiao-Hsien não deixa o trabalho só nas
mãos de Qi Shu, ele constrói uma pintura maravilhosa visualmente. Os
enquadramentos são simétricos e fixos, as cores dos tecidos e cenários são belíssimas.
Visualmente é um dos melhores que já vi na vida, perdendo talvez para o meu
querido Herói (Yīngxióng, China,
2002). Perdendo no sentido de minha estima, não de técnica, visto que The
Assassin foi trabalhado com a fotografia guiada por Ping Bin Lee. Este que
executou a direção de fotografia dos filmes anteriores de Hou Hsiao-Hsien
como Três Tempos (Zui hao de shi guang, Taiwan/China, 2005) e Millennium Mambo (Qian xi man po, Taiwan/China, 2001) – ambos com
a atriz Qi Shu -, também trabalhou no maravilhoso Amor à Flor da Pele (Fa yeung
nin wa, Hong Kong/China, 2000) do senhor Kar Wai Wong.
Inclusive podemos ver que essa escolha pelo wuxia parte de uma
necessidade desses grandes diretores contemporâneos a Hou Hsiao-Hsien em
se aproximar do cinema de massa. Isso iniciou com o próprio Kar Wai Wong em
Cinzas do Passado Redux (Dung che sai duk, Hong Kong/China, 1994), prosseguido por Herói (Yīngxióng, China, 2002) de
Zhang Yimou. Não é uma competição, mas é o reconhecimento das possibilidades
que esse gênero consegue proporcionar.
Hou Hsiao-Hsien não só fez o seu próprio wuxia, mas desconstruiu o
estilo padrão do gênero. São pouquíssimas as cenas de luta, e quando ocorrem
são extremamente belas e singelas se compararmos aos homens voadores dos filmes
comuns do estilo. O diretor priorizou o sentimento que existe na narrativa,
tornou a assassina em alguém completamente cabível de ser amável, e não dá
muitas margens para que exista a formação do “bonzinho” e do “vilão”.
O diretor não queria um filme comum, e conseguiu. Sempre achei que tudo
o que Hou Hsiao-Hsien faz é moderno para o cenário cinematográfico que ele se coloca, e não mudou em The
Assassin. Ele constrói uma obra de arte plástica brilhante, em um ambiente dramático,
mascarado por uma lenda histórica da fantasia, mas que faz uma enorme diferença
na cinegrafia mundial.
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