Para um cinéfilo, todos os meios disponíveis
para assistir filmes são bem vindos. Eu já possuía TV paga, banda larga com
velocidade suficiente para aguentar meus torrents, e agora faltava o streaming.
Ganhei o login e a senha do Netflix de presente, e concordo com a paixão platônica
com que o as pessoas estão com essa ferramenta. No serviço de streaming eu
consigo ver uma infinidade de filmes que na certa eu não daria o trabalho de
baixar, mas que me interessavam de alguma forma. Sem falar nas séries, uma
facilidade imensa de fazer maratonas!
É fato que a moda do momento é as
séries. Eu nunca fui muito paciente com series televisiva, por diversos fatores:
1) não tenho paciência para esperar capítulos seguintes. Gosto do inicio, meio
e fim, odeio ficar com ansiedade esperando pelo próximo capitulo; 2) na maioria
das vezes são todas iguais, o mesmo problema que esta acontecendo com o meio cinematográfico,
está acontecendo com as séries, se tornando um tanto quanto estagnadas; 3)
gosto de ver uma mídia e ver um cuidado técnicos nos elementos ali, o que vejo
em defasagem em séries. Não existe muitas vezes aquela preocupação quanto ao cenário,
ao figurino que vemos nos filmes. Mas enfim, isso tudo EU SEI que é implicância
de minha parte. Na verdade não tenho paciência e pronto!
Mas como já me referi antes aqui
no blog, em tudo tem suas exceções! Assisto poucas séries na atualidade, me
focando em Game of Thrones (porque já li todos os livros, ai aguento), Orphan
Black (porque é extremamente criativa), Downton Abbey (adoro séries clássicas
inglesas), Orange is the New Black (feminista e única ao aborda elementos do
universo feminino, o que é raro no meio cinematográfico), e acabo de descobrir
The Bridge (FX, EUA, 2013-2014).
Fazendo parcialmente um comentário,
não uma resenha, venho aqui expressar minha surpresa por essa série. A formula
é a mesma, suspense policial, mas com uma pitada de comprometimento social
muito importante. A primeira temporada trata da solução de um caso de
assassinatos envolvendo uma mulher americana e uma mexicana, na “ponte” de
fronteira entre os EUA e o México, mais necessariamente em El Paso e Ciudad de
Juaréz. Se concentrando nas histórias de Sonya (Diane Kruger) e Marco (Demián
Bichir), detetives americana e mexicano respectivamente.
Essas duas pessoas passam a serem
parceiros de trabalho, mas são extremamente diferentes. Sonya é uma mulher difícil,
muito competente, mas complicada devido a sua nítida Síndrome de Asperger. Toda
a falta de tato e consciência em relação ao próximo que ela possuiu se choca
com a lábia, a solidariedade e charme de Marco. O que no inicio pensamos que
seria impossível convivência de ambos, percebemos no decorrer da série como que
eles se entendem e como a amizade facilita a resolução do caso.
Entretanto, o ponto principal na
série sem duvida é o fato que ela é sincera e realista ao mostra o problema
sério da violência que ocorre na fronteira. Pela primeira vez chegaram ao
assunto forte que é o impacto dessa proximidade nos países, e como o povo
americano interfere no mexicano e vice e versa. Não sei se você leitor sabe
alguma coisa a respeito do México e sua cultura, mas o que posso dizer é que é
um “grande caos cultural”.
Explicando melhor: o povo
mexicano é em sua maioria (cerca de 70%) de origem indígena. São descendentes legítimos
dos Astecas (e todas suas ramificações étnicas) e dos Maias. Muitas dos hábitos
herdados pelos antepassados ainda estão entre eles, e com a colonização
espanhola (que trouxe o catolicismo imposto à duras penas), formam uma mistura
encantadora no sentido antropológico, mas complicada na busca de uma harmonia
social contemporânea. Eu estive no país e posso comprovar como é um lugar de “contradições”
entre o avanço da modernidade e o conservadorismo exacerbado vindo de uma
tradição católica. No México existe violência por todo o país, mas os níveis
são diferentes geograficamente. Os estados do norte são os mais conservadores, com
sexismo claro e preocupante. E a proximidade com os Estados Unidos criou um
ambiente de “terra sem lei”, devido não só ao trafico de drogas (amplamente
consumida pelo país americano), trafico de pessoas, prostituição, e
contrabando. Acredite em mim, o governo mexicano não tem NENHUM controle sobre
esses estados. A situação é séria e os mexicanos estão desesperados pedindo
ajuda.
Quando The Brigde opta por trazer
uma narrativa passada na cidade mais violenta do mundo, Juárez (indicada por
uma pesquisa realizada por uma instituição mexicana), ela encara as consequências
das interferências de séculos dos americanos no país vizinho. Também resgata a urgência
em se resolver o assunto absurdo que é o feminicídio nessas cidades
fronteiriças. As cruzes rosa são estatísticas aterrorizantes de dezenas de
mulheres que são vitimas diárias da violência sofrida unicamente por serem
mulheres. São estrupos, espancamentos e sacrifícios (comum em iniciantes em
algum cartel) que só entram para a estatística, e nada é feito. Eu sempre senti
devido à forma como os povos Astecas e Maias eram, que existia certo teor de violência
que forma parte desses povos. Como descentes, o mexicano de hoje também lida
com a violência de uma maneira bem distinta do que nós brasileiros por exemplo.
Mas isso é devaneio da minha cabeça, não sei se tem algum fundamento antropológico.
As cruzes rosas do feminicídio, retratadas na série. |
The Bridge no caso é uma série
americana, que de qualquer forma é do ponto de vista do americano. Mas ela é
honesta ao não isentar nem os mexicanos nem os americanos dos problemas que
surgem. Entretanto, essa questão está sendo discutida no país, vide o fato do
filme de maior bilheteria de 2014 no México, A Ditadura Perfeita (La dictadura perfecta, México, 2014),
ser um drama cômico do poder dos cartéis. Luis Estrada além de tocar nessa
ferida, foi muito além, e mostrou um governo despreparado e totalmente manipulado
pela mídia (em uma clara referência a Televisa). A violência mostrada no filme
é cômica pois é absurdo de como ela é real. Outro filme do diretor tão chocante
e sincero com a atualidade mexicana é O Inferno (El infierno, México, 2010). Neste ultimo ele aborda diretamente o narcotráfico
e suas vertentes criminosas – prostituição, contrabando e miséria.
Sendo baseado na série de
televisão sueca Bron, e adaptada por Meredith Stiehm, The Bridge chegou apenas ate a segunda temporada.
Sinceramente acho que ela já fez o seu papel inovador na primeira parte da
série, e não precisa prosseguir, pois entraríamos na rotina interminável das
séries policiais. Ao ponto que o espectador já não consegue digerir e pensar a
respeito dos que é retratado, passa a ser mais um episodio que você assiste
depois da novela ou um filme.
Fazendo o meu ultimo adentro para
o elenco: Diane é uma dama. Poliglota e elegante em suas atuações e se entrega
sempre aos seus personagens. Demián é para mim um achado, além de ser lindíssimo.
Fiquei encantada quando vi Uma Vida Melhor (A
Better Life, EUA/México, 2011), com um desempenho que mereceu sua indicação
ao Oscar de Melhor Ator. Demián é consegue trazer uma realidade ao detetive
Marco Ruiz cativante. Além desses dois supers, temos um elenco de apoio muito
bom, com Catalina Sandino Moreno, Emily Rios e Matthew Lillard.
Matthew Lillard e Emily Rios. |
Além disso, existe o cuidado com
a fotografia de cores quentes (sempre utilizada ao retratar o México), também
encontramos um elenco latino falando em espanhol!!! Pra mim isso é uma
maravilha, pois todos sabem como os americanos não gostam de ler legendas, mas
a série não se preocupou e colocaram mexicanos falando sua própria língua. No
todo, The Bridge é uma série excelente, podendo ser vista como entretenimento,
mas também com uma visão crítica da realidade vivida diariamente por milhões de
mexicanos.
Download
Disponível no Netflix a primeira temporada, e os dois filmes do Luis Estrada.
Download A Ditadura Perfeita aqui.
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