Eu devo ser muito louca mesmo ou
enxergar coisas que ninguém consegue ver. Essa é a minha única resposta para
quando eu gosto tanto de um filme que ninguém mais aprova! Exemplo é Marcas do Passado (Aloft, França/Espanha/Peru, 2014) de Claudia Llosa.
Este é o primeiro filme da
diretora peruana fora de seu país, de sua língua materna e de elenco conterrâneo.
Llosa leva a narrativa para o Canadá, contando a história de Ivan (Cillian Murphy), homem na casa
dos trinta anos que inicia uma busca pela sua misteriosa mãe Nana Kunning (Jennifer Connelly) que
não vê há vinte anos.
O filme se divide em dois ramos
temporais. Inicialmente temos a personagem de Connelly com seus dois filhos
pequenos, sendo o mais novo Gully
com problemas sérios de saúde. Para que o foco não seja no menino moribundo, seu rosto é omitido em todos os momentos. A mãe procura com desespero a um curandeiro a
busca pela cura do menino, e nesse ambiente acaba por descobrir que quem tem o “dom”
da cura é ela própria.
É fato que o roteiro não é
totalmente explicativo, entretanto isso não é ruim. Nem tudo tem que ser
corretamente dito em um filme para que possamos entender. Em Marcas do Passado
tudo está muito bem implícito, principalmente porque a foco da diretora
claramente não era a busca por questionamentos sobre a veracidade desse tipo de
espiritualidade e esoterismo, e sim evidenciar a relação mãe-e-filho.
Ivan é apresentado como um garoto
petulante e insolente. A paixão pela falcoaria nos mostra não só a única
ligação que ele tinha com o pai, mas como existe a preferência em se afastar
das pessoas. O ciúme pelo irmão mais novo Gully é nítido e incômodo. Existe no
personagem uma ansiedade, uma vontade muito patológica em machucar e desprezar
a mãe, tudo gerado pelo ciúme que sente por Gully, doente atrai maior atenção
por parte de todos.
Após apresentação inicial dos
personagens e do drama, temos Melanie
Laurent que faz a transição temporal para vinte anos no futuro, e
encontramos Ivan adulto, mas introspectivo da mesma forma. Interpretando a jornalista
Jannia, Melanie o leva na busca ao
interior do mundo pela mãe que há muito tempo saiu da vida de Ivan. Os motivos
para o abandono são totalmente compreensíveis diante da dor, mas não para Ivan.
Como eu disse, o roteiro cumpre
com o papel que Claudia Llosa queria construir no filme. É obvio que sua
intensão não era que tudo viesse mastigado ao espectador, nós teríamos que
digerir e entender a narrativa a partir das relações emocionais que acontecem.
E isso é muitíssimo bem feito.
A sintonia de Jennifer Connelly com as crianças é o
ponto chave do filme. Eu já comentei em minhas críticas como eu gosto da
premiada atriz. É simplesmente impossível não se encantar e emocionar com seu
trabalho. Existe uma delicadeza e serenidade que ela emprega nos seus
personagens, que aqui foi crucial. Essa característica marcante de Connelly foi
o principal para a cena do desfecho do drama, que particularmente me emocionou muitíssimo.
É claro que temos Cillian Murphy, um ator excelente que
conseguiu na cena mais importante do filme se mostrar firme na magoa e culpa
do personagem Ivan. Havia uma química muito bem construída com Melanie Laurent,
como ocorreu no seguimento incrível (e que completa a narrativa temporal do
passado) da caminhada no gelo.
Apesar do que disseram sobre o
final do filme, realmente não consigo entender o porquê da incompreensão. Ao contrário
do que nos era mostrado, era Ivan que necessitava da cura, pois não era o físico
que estava doente, mas a sua alma e sentimento. A última cena do voo do falcão
é uma analogia muito obvia da libertação, da liberdade que ele precisava e só
conseguiu achar ao enfrentar seu passado.
Como se trata de um filme de
arte, a necessidade insistente do mercado de entretenimento de filmes
extremamente dinâmicos e que se adequam a nossa mente doente das informações rápidas
e automáticas, não existe aqui. Claudia Llosa não se importa com essa imposição,
e se dedica em explorar com calma cada personagem.
A trilha sonora é quase inexiste,
a exceção da ótima Le Vent Nous Portera
de Noir Désir, com sua letra tão pertinentemente
na narrativa: “O vento vai cuidar de nós/
O cuidado e o desprezo/ E essa ferida que nos mantém divididos (...) Eu sigo
sua sombra/ Pedaços de você/ O vento levará/ Tudo vai sumir, mas/ O vento nos
guiará”. Além disso, temos uma fotografia muito acinzentada e paisagens belíssimas
do interior do Canadá e do Ártico. Um último
comentário é a respeito da maquiagem, que deu realismo notável no
envelhecimento da personagem de Connelly.
Lançado em Berlinale e também no Festival do Rio
deste ano, Marcas do Passado é um filme sobre sentimento que vai muito além das
palavras. É sobre fé e dor, e a relação difícil e as consequências que se cria
quando essas duas coisas se unem.
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Abraços!
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