O cinema brasileiro existe,
apesar das investidas de produtoras como a Globo Filmes em imbecilizar a
sociedade com filmes inspirados no pior do cinema americano, com comedias de
roteiros e atuações de Bruno Mazzeo ou Ingrid Guimarães. O cinema nacional hoje
poderia ser um dos muitos importantes no circulo mundial, se houvesse mais
incentivo governamental e econômico para que produções sejam feitas.
Deixei de lado o fato de a atriz
Regina Casé apresentar o programa mal editado e estranho “Esquenta!” e embarquei
na vida de sua personagem Val, em “Que Horas Ela Volta?” (Que Horas Ela Volta?, 2015, Brasil) de Anna Muylaert.
Sinceramente, comentar a importância de um filme abordar aspectos do universo
femininos, além de ser dirigido, produzido e roteirizado por uma mulher, no
ambiente machista que o cinema se constrói, é chover no molhado. Qualquer
mulher que tiver um pouco de conhecimento cinematográfico ao assistir esse
filme vai entender do que estou falando.
Isso se deve porque Anna Muylaert
produz um filme sobre mulheres, para a sociedade machista e burguesa. Vamos
entender a narrativa: Val (Regina Casé) é uma nordestina que trabalha há anos
na casa da família de Dona Bárbara (Karine Teles). Ela foi babá do filho da
patroa Fabinho (Michel Joelsas), e hoje trabalha como empregada doméstica. O
inicio do filme acompanhamos todo o serviço de Val, sua rotina e sua
convivência na casa. Não visualizamos a casa no todo, a perspectiva do plano é
a partir da cozinha, o “habitat” natural de Val. Tudo parece estar como deve
estar. Val é a serva leal e trabalhadora que qualquer patrão gostaria de ter.
Toda a estrutura do até então
sólido sistema começa a ruir com a chegada de Jessica (Camila Márdila), filha
de Val que vem a São Paulo para fazer vestibular. Recebida quase como uma
“convidada” pela família, Jessica é a personificação da sociedade pobre do
Brasil, surgida a partir da primeira década dos anos 2000. Inteligente,
instruída, a garota não é tímida em satisfazer suas próprias ambições e
vontades. Jessica não se submete ao poder dos grandes, Jessica é capaz de ser
grande da mesma forma. O choque dessa postura parte primeiramente na submissa
Val, que com tantos anos de rotina e convivência se acostumou em se colocar por
baixo, em se achar por baixo dos patrões, mesmo diante da importância dessa
pessoa dentro daquela casa. Val criou o filho da patroa, Val alimenta e limpa
aquelas pessoas. E Val se assusta ao perceber que sua filha possa ser tão
altiva e “desrespeitosa” com os “senhores”.
A discussão que Anna Muylaert
quer propor não é o direito da classe média alta com dinheiro em ter ou não uma
serviçal, mas sim perguntar a necessidade disso. Por que a burguesia brasileira
sente necessidade de ter alguém que lhe traga um copo d’água, ou que coloque
seu prato na mesa e te sirva em todas as vontades? Qual a necessidade desse
tipo de comportamento de “sinhá” e “escravo” nos dias de hoje? O pavor de Dona
Bárbara em perceber que a filha da empregada é igual em inteligência e direitos
que seu filho, é tão real que assusta ao espectador. Nunca antes um filme foi
tão pertinente exatamente neste momento social tão intenso que o Brasil vive.
Que Horas Ela Volta? trás
discussões que estão profundamente enraizadas na sociedade brasileira, e que
deve ser trazidas a tona, pois é a única forma de modificarmos as gerações futuras,
e avançar o país. O filme não é fácil de ser digerido, deixando ao espectador
horas e horas de reflexão. Os planos são longos, e a trilha sonora é
praticamente inexistente. A fotografia por ventura é bonita, sendo o filme todo
passado dentro da casa da família. O seguimento da piscina com Val, fonte dos
principais pontos de conflito da narrativa, é uma das cenas mais importantes e
definidoras do filme.
A intensidade que Regina Casé encarnou a
personagem é comovente e digna de todos os prêmios que a atriz anda ganhando.
Além de o filme ser premiado em Berlim na Mostra Panorama com o Prêmio do Júri
e o Público, ganhou o Prêmio Especial do Júri em Sundance para Regina Casé e
Camila Márdila. Transformando este filme o mais reconhecido internacionalmente desde
Cidade de Deus, de Fernando Meirelles em 2004.
Val é brasileira até o último fio
de cabelo, e até o fim a perseverança e a força da luta estão com ela.
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