Zhang Yimou

Biografia e Filmografia (download) de Zhang Yimou

domingo, 4 de outubro de 2015

Que Horas Ela Volta? (crítica)


O cinema brasileiro existe, apesar das investidas de produtoras como a Globo Filmes em imbecilizar a sociedade com filmes inspirados no pior do cinema americano, com comedias de roteiros e atuações de Bruno Mazzeo ou Ingrid Guimarães. O cinema nacional hoje poderia ser um dos muitos importantes no circulo mundial, se houvesse mais incentivo governamental e econômico para que produções sejam feitas.

Deixei de lado o fato de a atriz Regina Casé apresentar o programa mal editado e estranho “Esquenta!” e embarquei na vida de sua personagem Val, em “Que Horas Ela Volta?” (Que Horas Ela Volta?, 2015, Brasil) de Anna Muylaert. Sinceramente, comentar a importância de um filme abordar aspectos do universo femininos, além de ser dirigido, produzido e roteirizado por uma mulher, no ambiente machista que o cinema se constrói, é chover no molhado. Qualquer mulher que tiver um pouco de conhecimento cinematográfico ao assistir esse filme vai entender do que estou falando.


Isso se deve porque Anna Muylaert produz um filme sobre mulheres, para a sociedade machista e burguesa. Vamos entender a narrativa: Val (Regina Casé) é uma nordestina que trabalha há anos na casa da família de Dona Bárbara (Karine Teles). Ela foi babá do filho da patroa Fabinho (Michel Joelsas), e hoje trabalha como empregada doméstica. O inicio do filme acompanhamos todo o serviço de Val, sua rotina e sua convivência na casa. Não visualizamos a casa no todo, a perspectiva do plano é a partir da cozinha, o “habitat” natural de Val. Tudo parece estar como deve estar. Val é a serva leal e trabalhadora que qualquer patrão gostaria de ter.

Toda a estrutura do até então sólido sistema começa a ruir com a chegada de Jessica (Camila Márdila), filha de Val que vem a São Paulo para fazer vestibular. Recebida quase como uma “convidada” pela família, Jessica é a personificação da sociedade pobre do Brasil, surgida a partir da primeira década dos anos 2000. Inteligente, instruída, a garota não é tímida em satisfazer suas próprias ambições e vontades. Jessica não se submete ao poder dos grandes, Jessica é capaz de ser grande da mesma forma. O choque dessa postura parte primeiramente na submissa Val, que com tantos anos de rotina e convivência se acostumou em se colocar por baixo, em se achar por baixo dos patrões, mesmo diante da importância dessa pessoa dentro daquela casa. Val criou o filho da patroa, Val alimenta e limpa aquelas pessoas. E Val se assusta ao perceber que sua filha possa ser tão altiva e “desrespeitosa” com os “senhores”.


A discussão que Anna Muylaert quer propor não é o direito da classe média alta com dinheiro em ter ou não uma serviçal, mas sim perguntar a necessidade disso. Por que a burguesia brasileira sente necessidade de ter alguém que lhe traga um copo d’água, ou que coloque seu prato na mesa e te sirva em todas as vontades? Qual a necessidade desse tipo de comportamento de “sinhá” e “escravo” nos dias de hoje? O pavor de Dona Bárbara em perceber que a filha da empregada é igual em inteligência e direitos que seu filho, é tão real que assusta ao espectador. Nunca antes um filme foi tão pertinente exatamente neste momento social tão intenso que o Brasil vive.

Que Horas Ela Volta? trás discussões que estão profundamente enraizadas na sociedade brasileira, e que deve ser trazidas a tona, pois é a única forma de modificarmos as gerações futuras, e avançar o país. O filme não é fácil de ser digerido, deixando ao espectador horas e horas de reflexão. Os planos são longos, e a trilha sonora é praticamente inexistente. A fotografia por ventura é bonita, sendo o filme todo passado dentro da casa da família. O seguimento da piscina com Val, fonte dos principais pontos de conflito da narrativa, é uma das cenas mais importantes e definidoras do filme.


A intensidade que Regina Casé encarnou a personagem é comovente e digna de todos os prêmios que a atriz anda ganhando. Além de o filme ser premiado em Berlim na Mostra Panorama com o Prêmio do Júri e o Público, ganhou o Prêmio Especial do Júri em Sundance para Regina Casé e Camila Márdila. Transformando este filme o mais reconhecido internacionalmente desde Cidade de Deus, de Fernando Meirelles em 2004.

Val é brasileira até o último fio de cabelo, e até o fim a perseverança e a força da luta estão com ela.



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