A história dos Estados Unidos sempre foi ligada aos
imigrantes que ajudaram a construir o grande país que é hoje. Em Nova York temos a diversidade absurda
de culturas por meio das tantas comunidades de imigrantes que foram essenciais na
formação da sociedade e da infraestrutura que a cidade possui. Desde a fundação
da megalópole, os imigrantes irlandeses foram um dos primeiros a chegarem no
local, e trabalharam efetivamente para construir as estradas, prédios e jardins
que hoje habitam a paisagem do estado de Nova York. Antes da comunidade negra
americana sair do Queens – hoje com
grande concentração de latinos – e seguir para o Bronx e Brooklyn, este
último era habitado pela comunidade italiana e irlandesa.
O povo irlandês possui uma história muito sofrida, desde a sua
fundação e como colônia da Inglaterra. Passou por diversas guerras externas e
internas, divisões, fome e perseguições religiosas e culturais muito intensas
por parte do país da rainha. As ondas de imigração foram intensas para a
América e as contribuições dessas comunidades estrangeiras foram tão
importantes, que John Crowley lançou
nesse ano no Festival de Toronto o
filme Brooklyn (Brooklyn, Irlanda/Reino Unido/Canada, 2015). Ele que está na rota
de indicações das premiações americanas, é um filme tão bonito, com uma
vertente única.
É raro encontrarmos um drama que
consiga ultrapassar a “tragédia” e nos mostrar uma boa estória que tenha uma trajetória
positiva. O diretor irlandês John Crowley retomou a história de seu povo no
país estrangeiro, criando uma crônica realista e delicada do sentimento de uma
pessoa que sai de sua terra.
Brooklyn narra a trajetória de Ellis Lacey (Saoirse Ronan), jovem de
uma cidade do interior da Irlanda,
que sem perspectivas de um futuro que lhe agrade, se muda para a América, onde
encontra mais condições de realizar seus desejos. Ela se apaixona, mas logo tem
que retornar a sua terra natal, com o coração dividido entre os dois países. A
narrativa é muito bem estruturada, e extremamente simples – o que não
transforma o filme raso – Brooklyn é a representação do sentimento tão difícil de
ser definido em outras línguas, mas que nós brasileiros traduzimos como
saudade. É a trajetória de mais uma imigrante e como sua vida se conecta a esta
cidade/país.
A linguagem foi muito bem
trabalhada no filme. Eu valorizo muito os filmes simples, que buscam as
tradições do cinema sem a preocupação de revolucionar a técnica. Assim como em Carol (Carol, EUA, 2015) - crítica aqui - deste ano, temos uma linguagem do cinema
clássico, bem explorada.
Ellis é corajosa e mesmo com os
medos e inseguranças de encarar sozinha uma jornada tão grande, não desiste das
oportunidades que lhe foram ofertadas. É interessante como Crowley demonstrou na
personagem o decorrer da transformação que a saudade proporciona em um imigrante.
Com a personalidade introspectiva e fechada dos irlandeses, a jovem inicialmente
é acanhada, tímida, e a dor por estar longe da família é forte. Para isso, na
primeira parte do filme temos Saoirse
Ronan vestindo o verde em várias cenas, uma forma clara de induzir o
espectador a sentir o apego que a jovem tem pela Irlanda. Aos poucos - principalmente por se apaixonar – ela se abre
para outras cores, para o estilo típico americano. É tão sutil a mudança, que
até mesmo o sotaque Ronan começou a incorporar. Quando retornamos para a terra
natal, em que a jovem se encontra no dilema oposto, ela não desapega do estilo
americano, e nenhum verde é colocado à vista. É impressionante como os detalhes
de uma obra dizem muito sobre a intensão do filme.
Além disso temos os personagens dos
quais ela se envolve. Tony é o
personagem de Emory Cohen, mais um
componente da herança dos imigrantes. Filho de italianos, ele é simples
financeiramente e em educação, mas doce e amável. O diretor não apresenta Ellis
em maior estatura que ele à toa, isso é uma nítida analogia ao fato da
protagonista ser superior ao personagem, e como isso não definiu em nada as
escolhas que ela teria que ter no futuro diante das oportunidades.
A direção de arte trabalhou com
uma paleta colorida, saindo muito da tradição de criar uma Nova York escura e poluída,
para cheia de cores e vida, refletindo o sentimento pessoal da protagonista. A
trilha é suave, e conduz bem as cenas.
Ao falar do elenco, a escolha da
protagonista foi genial. Saoirse Ronan
– a menina dos sotaques, ela é conhecida por conseguir reproduzir qualquer
sotaque dos países da língua inglesa de forma perfeita – possui pais
irlandeses, cresceu e mora na Irlanda, mas nasceu em Nova York! Ela se mudou
para Irlanda aos três anos de idade. É obvio que foi intencional a escolha da
atriz, por possuir ligações tão fortes nesses dois lugares que a narrativa
segue. Muito carismática, Saoire torna a Ellis dócil e simpática para o
espectador. Torcemos por ela de sentimentos divididos como a personagem, pois sabemos
que sorte está com ela. Ronan é uma jovem muito talentosa, e vejo que caminha
para sua segunda indicação ao Oscar (embora acho difícil alguém ganhar de Brie Larson em 2016).
Além disso temos um elenco de
apoio muito bom: o fantástico Jim
Broadbent, como o Padre Flood
que apadrinha Ellis; Julie Walters
como a Senhora Kehoe, dona da pensão
no Brooklyn e o irlandês Domhnall
Gleeson (como o amigo Jim Farell)
que eu simplesmente adoro! O ator é sempre versátil em seus papeis e tem um
carisma incrível!
John Crowley não quis apenas
retornar à história, mas faz uma ode a aquelas pessoas que são os pais e avós
dos nova-iorquinos de hoje. A cena belíssima do jantar de natal da igreja, é
uma metáfora não só do descaso a quem deu o sangue pelo país estrangeiro, mas a
dor de quem vive longe de sua terra. O diretor quer dar luz e voz a esse povo que
passou despercebido.
Abraços!
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Parabéns pelo trabalho! E muito obrigada! As dicas e análises críticas são sempre valiosas!
ResponderExcluirObrigada! Volte sempre!
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