O streaming está me deixando com
vergonha de dizer que sou uma digna cinéfila. Me perco em tantos filmes que
quero ver, e acabo por não ver nenhum, pela simples preguiça de baixar. A vida
era mais fácil antes, sem as preocupações de trabalho e pandemia, sabe?
Enfim, eis que o Telecine trouxe
(algo que temos que frisar é que o Telecine gosta de passar filmes das mostras
do Festival de Cannes, não em tanta quantidade como poderia, mas certamente faz
um trabalho infinitamente melhor que a Netflix, que se recusa a passar filmes
fora do nível de entretenimento), Filhas do Sol, de Eva Husson. Exibido em Cannes
em 2018, tem Golshifteh Farahani (amoooo!!!) como protagonista.
O filme de guerra trás um
batalhão e mulheres curdas, prestes a recuperar um dos territórios perdidos
pelo Estado Islâmico no Curdistão. Uma repórter, vivida por Emanuelle Bercot,
acompanha essas mulheres nesse território hostil.
Vamos começar do começo: como já
comentei aqui no blog antes, Curdistão é um território que vai da fronteira da
Turquia, passa por uma parte da Síria, chegando até o Irã. Não é um país,
embora tenha uma capital e um povo próprio, os curdos. Não são árabes, não são
persas, são curdos. Com cultura e língua própria. Ao longo dos anos eles têm
enfrentado as investidas da Turquia em dizimar a população curda (tida como
inferior, pelos turcos) e mais recentemente a opressão do Estado Islâmico. Como
não são uma nação reconhecida, seus recursos são mínimos, e o território é
totalmente protegido pelo povo, da maneira que consegue.
Dessa forma, Filhas do Sol,
embora trate de uma ficção, remete a fatos verídicos, pois os batalhões de
mulheres curdas na região é comum. São elas que pegaram em armas e partiram
para o ataque em defender sua terra dos invasores miseráveis do Estado Islâmico.
Essas mulheres foram escravizadas, prisioneiras, tiveram seus maridos, pais e
irmãos assassinados, e seus filhos levados para serem soldados do inimigo. Não
há opção, além da luta. As filhas do Sol é uma referencia a bandeira curda, que mostra grandes raios solares.
Eva Husson, faz uma ode a essas mulheres,
assim como uma lembrança a importância do jornalismo em conflitos assim. A repórter
Mathilde H. é a personificação da falecida Marie Colvin, tão famosa pelo seu
tapa olho, e morta enquanto cobria os bombardeios de Assad em Homs, na Siria. É
bonito como a diretora consegue expor a responsabilidade e importância da
mulher com armas e a da mulher com a câmera. Em um das cenas, em que Mathilde
escuta um barulho suspeito do lado de fora, como é típico, se espera que ela
pegue algo para que se defenda, mas sua mão vai até a câmera. Essa é a arma de
uma repórter, deixar registrado as aberrações e tragédias humanas, na esperança
que alguém veja e se importe. É uma luta constante, que como a personagem
termina o filme “uma esperança que desafia a condição humana”.